
Cantos & variações é uma fusão de estilos musicais que assenta na guitarra portuguesa. É um género que imprime uma evolução melódica ao próprio instrumento fazendo uma ruptura propositada com o fado. É uma lufada de ar fresco como se definem, que estampa uma nova sonoridade à música tradicional portuguesa.
Porque a escolha da guitarra de Coimbra?
Ângelo Correia: É uma história um pouco comprida. Comecei a estudar na faculdade de ciências e entretanto apareceu a oportunidade de entrar no grupo de fados da academia e por várias razões que não vem ao caso estreei-me como cantor, só que não tinha uma grande vocação, por isso, iniciei-me na viola clássica. O meu interesse pela guitarra de Coimbra surgiu quando ouvi os primeiros acordes e quando me ofereceram a minha primeira guitarra. Digamos que foi amor a primeira nota. A partir do momento que comecei a tocar, tive aulas e nunca mais a larguei.
Começastes a tocar a guitarra na faculdade, antes disso não tinhas tido nenhuma educação musical? Fostes muito auto-didacta em todo o processo?
AC: Não, não. Tive cerca de um ano e meio de aulas de guitarra portuguesa. Todo o resto foi aprendendo por mim, já toco a cinco anos.
Uma das questões que focas no blog do Cantos & Variações é que querem romper com o fado, porquê?
AC: Nós inicialmente éramos um grupo de fados de Coimbra, muito tradicional, com capa e batina, com o traje académico. A necessidade de romper com essa vertente tradicional surgiu com a entrada do violinista para o nosso grupo, é um músico muito peculiar, que vai muito para além da sua formação clássica. Ele conseguiu agarrar o projecto que lhe propusemos e transforma-lo. Nós temos muitos temas que subsistem por assim dizer, muito por causa dele.
Ele compõe também para o grupo é isso?
AC: Sim, todos os arranjos para o violino foram feitos com base nas suas próprias composições.
No entanto tu também compões, estive a ouvir a criação I e II e nota-se uma influência da música tradicional portuguesa. Como é que alguém que não tem qualquer tipo de formação musical já consegue escrever partituras?
AC: Isso é uma história mais complicada. Eu não tenho qualquer tipo de background musical, a não ser informal. Comecei por gosto. À medida que foi aprendendo, foi estudando. É um processo muito auto-didacta. Quando pegas e tocas o teu instrumento, vais conhecendo-o melhor e vais ouvindo muita música. Sem dúvida que esse é o segredo. As minhas composições tem uma influência da música portuguesa, porque sempre ouvi muito o Carlos Paredes. Nunca deixei de parte o tradicional e o grupo “sofre” também dessa ascendência, digamos que reinventámos a música à nossa maneira. Uma pessoa começa a compor, quando conhece muito bem o seu instrumento, quando perde muito tempo com ele.
Então se tocas a cerca de 5 anos, começastes a compor quando?
AC: A cerca de três anos e meio, compus e escrevi um fado e mais duas canções. As composições para guitarra portuguesa têm apenas dois anos.
A forma como abordam a guitarra portuguesa, a mistura de diferentes estilos musicais, não são encarados como insultos, pelos mais puristas?
AC: Eu tenho como influencia um senhor chamado Octávio Sérgio, tem a mesma idade de Carlos Paredes, e quando compôs também foi muito criticado pelos puristas, inclusive o Artur Paredes chegou a dizer-lhe que as suas peças eram muito boas, mas estavam vinte anos à frente do seu tempo. Agora, ando a aproveitar essas variações, fugindo ao tradicional e já recebi criticas negativas dos mais puristas, dos demasiado puristas, digamos dos velhos do Restelo. De resto, as pessoas que me ouvem, arrogam que o meu trabalho não está a pôr de lado todo o resto, mas assumem que é um género musical que esta a absorver o tradicional e a evoluir. A chave do nosso sucesso é que o público sempre encarou a nossa música como uma evolução.
Esse tipo de comentários também abrange os profissionais da música?
AC: Depende. Temos que separar as águas. Em Coimbra já é normal ver um espectáculo com guitarra portuguesa acompanhada com outros instrumentos. Há um grupo que toca com um acordeão e até fizeram uma experiencia com os Belle Chase Hotel. Nos meios profissionais de guitarra portuguesa, em Lisboa, somos muito mal vistos. Somos encarados como desvirtuadores. Estamos a usar um violino em vez da guitarra portuguesa? Não. O que fazemos é complementar. O nosso lema é um olhar sobre a guitarra de Coimbra e de facto, não deixa de o ser.
E o que dizem quando referes que são tuas as composições?
AC: Ficam um pouco espantados, porque não compreendem como é que uma pessoa que é amadora, digamos assim, compõe temas.
Deves reconhecer que é no mínimo insólito. És da cidade do Porto, vens da área de ciências informáticas, não tens qualquer tipo de formação musical e ainda por cima compões. Como é que os profissionais encaram o teu trabalho?
AC: (risos) Encaram como evoluções, porque há influencias também da música clássica. O Octávio Sérgio é o expoente máximo da guitarra portuguesa. É o único compositor que conheço que tem uma peça musical orquestrada. O Sérgio Azevedo, o seu filho, foi vencedor do primeiro prémio de música erudita, pela sociedade portuguesa de autores. É alguém com quem eu falo bastante, sobre as suas obras, sobre música e faço por estudar as suas peças. Na criação I é fácil descortinar de onde provém as diversas influências musicais.
Só compusestes a criação I e II?
AC: Está em fase de pré-produção a número III e escrevi mais dois fados.
A tua aposta é a música?
AC: Não. Eu trabalho numa empresa de software para hospitais. A música é a minha aposta em part-time, faço-o quando não estou a trabalhar. Aproveito o resto do tempo, para cultivar-me musicalmente.
Qual é visão que tens para o futuro do grupo Cantos & Variações?
AC: Pretendo que seja uma lufada de ar fresco. Pode parecer cliché, mas ambiciono pegar na guitarra portuguesa e refrescar o que existe em torno do fado de Coimbra. É muito mais do que passa para fora. Há muitos meios elitistas, muita gente que não permite uma evolução. O fado de Coimbra não saiu da sua carapaça, por causa dos puristas. Queremos mostrar que a música popular portuguesa é muito mais, principalmente o fado, do que património imaterial da UNESCO. Queremos provar que este tipo de música é de gente jovem e não de idosos. Ser uma lufada nessas toadas. O que pretendo para o grupo é que sejamos únicos e até o momento temos conseguido. O feedback é positivo, sempre, onde quer que vamos.
O vosso objectivo também passa por gravar um CD, ou fica-se apenas pelos concertos?
AC: Tínhamos um projecto para gravar uma maquette, mas entretanto o nosso viola ficou muito tempo doente, e essa ideia para já está de parte. Temos um concerto marcado para o final do ano, mas queremos ir muito mais longe em Portugal. Termos mais visibilidade nesse sentido.
http://cantosevariacoes.blogspot.com/
http://www.youtube.com/watch?v=QoqAl66__Fk