Como é feito esse apoio?
RC: Os professores reconhecem a competência dos Xarabanda em termos técnicos e sabem que é importante ver, ouvir e falar de música e das origens dos diversos instrumentos tradicionais. Nos tocámos e comentamos uma actuação. É um processo que resulta do tempo, da experiência adquirida e as pessoas, ou instituições interessadas vêm até nós. Há também um centro de documentação musical, no âmbito da antropologia cultural, temos uma biblioteca específica sobre a cultura madeirense. Os alunos e docentes buscam e encontram informação para as suas teses, ou artigos, há todo um trabalho de pesquisa acerca da cultura tradicional que não é só a música. Apoiamos professores na área do mestrado e doutoramento que vêm recolher essa informação. Temos um protocolo com a direcção regional de educação para desenvolver projectos de interesse cultural para a ilha. O primeiro é o cancioneiro que vai ser editado, depois a sistematização dos instrumentos e o terceiro é a organização e estudo das danças tradicionais.
Vamos falar um pouco do cancioneiro e do espólio que é arquivado nesta sede, tem ideia de quantos registos foram feitos nestes últimos anos?
RC: Não sei, não faço ideia, nunca foi verdadeiramente contabilizado. Há dois anos recebemos duas estagiárias para organizar todo este espólio, a biblioteca esta digitalizada e ao serviço de quem a quiser consultar. O cancioneiro é um conjunto de cantigas popular oral, recolhas feitas pelos elementos do Xarabanda na década dos nos anos 80 e 90. O trabalho esta a ser registado por mim, pelo Jorge Torres que é antropólogo e por um etnomusicólogo. O cancioneiro é um estudo de classificação e sistematização de música tradicional madeirense, que ainda não tinha sido feito até hoje e tem de ser entregue este ano. O cancioneiro será editado em livro e disponibilizado para todas as pessoas.
E na internet?
RC: Ainda não. A associação Xarabanda tem um projecto para ser apresentado este ano, para ter efeitos imediatos no ano de 2013 que é uma base de dados com tudo sobre a música tradicional madeirense e aí o cancioneiro também estará disponível. Aliás, tudo desde vinis, letras e partituras, que é fundamental para as escolas, as universidades e os músicos procuram informação nesta área. Ao nível do turismo, porque é preciso pensar que as pessoas não nos visitam pelos hotéis e pelo clima, mas sim pela cultura que temos e que somos enquanto ilhéus, eles vêm á procura de um produto significativo, representativo da música tradicional madeirense e da nossa cultura musical única em relação ao mundo.
Essas recolhas são de áudio e vídeo?
RC: Sim, áudio essencialmente. O vídeo ainda não tínhamos material para recolher, porque foi um trabalho feito as nossas custas e não recebíamos qualquer apoio. Depois é que começámos a perceber que o governo tinha o dever de apoiar actividades do interesse cultural e apresentámos candidaturas e em alguns projectos tivemos um apoio, outros não. Este ano temos uma serie de actividades, porque os Xarabanda dividem-se em duas vertentes da actividade cultural, a investigação e a divulgação. O primeiro aspecto é fundamental porque é a base do conhecimento que serve à educação, a população e as pessoas interessadas. É nesse sentido que nos apoiamos, através da documentação existente nas nossas instalações.
Que outros projectos os Xarabanda promovem?
RC: Temos um acordo com a agência TUI faz já quatro anos, eles enviam grupos de turistas da Alemanha que vêm conhecer a nossa cultura, uma levada, um museu e durante meia hora ouvem música tradicional madeirense. É o que eu chamo turismo cultural e que já é uma realidade.
Vamos falar das novas gerações, nota um aumento ou diminuição do interesse dos jovens pela música tradicional?
RC: Eu tenho notado um aumento do interesse pelos mais novos. Estas novas gerações tem condições que nós não tivemos. A minha geração preparou o caminho para eles. E não falo apenas, só desta mostragem de divulgação da música tradicional mais moderna que vai ao encontro deles e do seu gosto. São eles a preferirem os instrumentos e o tipo de sonoridade. É um trabalho com trinta anos. Cada vez mais patente ao nível das escolas e professores vão adquirindo esta formação e informação. Tenho dito sempre que a música tradicional está bem entregue nas novas gerações de músicos. Já não sinto uma barreira em relação aos alunos que saem do conservatório de música, são muito mais abertos. Integram-se em outros grupos de cariz mais popular. Há uma maior abertura e aceitação, existe uma nova mentalidade que advém dos professores formados ao nível superior em termos de música. Os Xarabanda foram um modelo que serviu a base para outros agrupamentos. É um processo e continuámos, porque enquanto grupo temos um projecto cultural.
O público madeirense é sensível a esta questão? No passado havia uma certa vergonha em relação as raízes culturais. Notou uma evolução?
RC: Eu notei isso, devo dizer que há trinta anos, quando surgimos como grupo no panorama musical madeirense, não era comum. Éramos todos estudantes e a maioria alunos do conservatório de música, éramos estranhos e havia estudantes com um modelo mais clássico, com uma pseudo-importância que olhavam para nós de forma depreciativa. Na primeira actuação até fomos apupados, mas é preciso separar um público erudito, de um que percebeu desde inicio o nosso projecto. A Maria Aurora era uma pessoa com formação, que entendeu a nossa importância, foi aliás, a primeira. Logo depois vieram os restantes meios de comunicação social. Depois perceberam que tudo o que havia era uma cópia virado para os turistas, os Xarabanda eram diferentes, não virados para o turismo, numa época de diversos géneros musicais, esse público com uma determinada cultura percebeu e apoiou. Depois há aqueles que não tem essa cultura musical, que não percebiam viravam os olhos apenas para o pop e que apupou, mas vinte anos depois num concerto, as pessoas puseram-se de pé e aplaudiram durante muitos minutos e a pedir por mais. Este contraste anos depois reflecte uma mudança de mentalidades, afinal o público percebeu que estamos aqui para trabalhar com conhecimento, com seriedade, para valorizar e reconhecer uma cultura insular. Não foi fácil. Foi um processo longo, de um Xarabanda que não era apenas para animação turística, mas que tinha um projecto cultural. Está revalorização de uma cultura musical tradicional que era importante, a exemplo do que já tinha sido em outros países, não bastava o folclore. Durante quase cinquenta anos a imagem da ilha dependia do grupo da Camacha, quando não é. O cancioneiro madeirense vem neste sentido, valorizar esse espólio que é muito rico e que acontecia num ciclo anual.





