Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

h facebook h twitter h pinterest

Os progressistas

Escrito por 

Os Xarabanda são uma associação cultural que desenvolve várias actividades paralelas, onde há um trabalho de investigação, recolha, divulgação, edição musical e o grupo que é a sua face visível. Esta instituição de utilidade pública apoia ainda a escola de cordofones tradicionais orientado pelo professor Roberto Moniz para os mais jovens e um ensamble vocal que é as “seis pó meia dúzia”. Um processo longo de revitalização da música tradicional madeirense que estará disponível em breve num cancioneiro e no próximo ano na internet, como nos confidencia um dos seus fundadores, músico e investigador, Rui Camacho.

Uma questão inevitável, qual é o balanço que faz destes últimos 30 anos de existência do Xarabanda?

Rui Camacho: O balanço em termos musicais é sempre bom e positivo, porque acreditámos num projecto inovador, que criou impacto junto da população de uma forma contemporânea. Foi ao encontro das pessoas e do seu gosto musical, tendo em conta um aspecto estético musical que agrada, é aceite e como tal, é sempre positivo. Houve também uma preocupação crescente não só de recolha, como de inclusão dos temas tratados de uma forma moderna e contemporânea. Fizemos uma nova abordagem da música tradicional, que não é folclore. Vamos buscar as raízes o nosso som e adaptamo-lo criando um novo conceito de música popular tradicional urbana, explorando desta forma novas sonoridades. A pensar no presente, sem copiar, sem ser fiel à própria tradição, mas mantendo presente as características que lhe são inerentes, estudando, investigando e modernizando para ser devolvida à população de forma a ser aceite. E assim foi, graças a esta mudança de mentalidades, do conceito em termos musicais, todo o processo foi positivo.

O que é isso de música popular tradicional urbana?

RC: Todos nós sabemos que a música tradicional tem origem num meio rural, sabemos que é nas cidades que depressa toda estas raízes populares vão desaparecendo com o progresso e com a evolução. No fundo estas sonoridades vão ficando cada vez mais isoladas nessas áreas por diversos motivos que não vale mencionar, podemos observar estas manifestações musicais no contexto das festas populares, no trabalho do campo e ao longo do tempo tudo isso se foi perdendo. No contexto urbano, existe música popular que é feita por pessoas com formação académica, que provém dos conservatórios de música e são criadores de sonoridades populares de autor que não tem esta tradição secular, de acordo com o ciclo anual, com as quatro estações, com os calendários festivos. Nas cidades nós ouvimos música importada, provenientes de outras culturas através das rádios, da televisão e da internet e juntamos essas referências aos instrumentos ditos tradicionais que chegaram com os povoadores da ilha no século XV, juntando a calabaz, o acordeão e a bateria, por exemplo. Experimentando parcerias musicais com orquestras filarmónicas e coros de câmara. Cria-se aqui, uma nova música popular já de cariz urbano, tendo em conta esses factores culturais e informativos.

A associação Xarabanda possui uma outra vertente que lhes permite dar apoio a outros grupos musicais, como é feita essa ponte?

RC: Somos uma associação sem fins lucrativos, mas foi declarada pelo governo regional tendo em conta a nossa actividade virada para a população e não internamente, como uma instituição de utilidade pública de interesse regional, sempre que possível apoiámos num clima de confiança alguns grupos. Neste momento, há uma banda que esta a ensaiar neste espaço em troca de nada. Apoiamos outras bandas, como por exemplo, o projecto Novo Mundo para ser apresentado no “raízes do Atlântico”, desde que seja possível, com seriedade e disponibilidade aceitámos temporariamente aqui de acordo com as normas internas. Apoiámos também as escolas nos vários escalões de ensino e mesmo os professores da universidade da Madeira.

Como é feito esse apoio?

RC: Os professores reconhecem a competência dos Xarabanda em termos técnicos e sabem que é importante ver, ouvir e falar de música e das origens dos diversos instrumentos tradicionais. Nos tocámos e comentamos uma actuação. É um processo que resulta do tempo, da experiência adquirida e as pessoas, ou instituições interessadas vêm até nós. Há também um centro de documentação musical, no âmbito da antropologia cultural, temos uma biblioteca específica sobre a cultura madeirense. Os alunos e docentes buscam e encontram informação para as suas teses, ou artigos, há todo um trabalho de pesquisa acerca da cultura tradicional que não é só a música. Apoiamos professores na área do mestrado e doutoramento que vêm recolher essa informação. Temos um protocolo com a direcção regional de educação para desenvolver projectos de interesse cultural para a ilha. O primeiro é o cancioneiro que vai ser editado, depois a sistematização dos instrumentos e o terceiro é a organização e estudo das danças tradicionais.

Vamos falar um pouco do cancioneiro e do espólio que é arquivado nesta sede, tem ideia de quantos registos foram feitos nestes últimos anos?

RC: Não sei, não faço ideia, nunca foi verdadeiramente contabilizado. Há dois anos recebemos duas estagiárias para organizar todo este espólio, a biblioteca esta digitalizada e ao serviço de quem a quiser consultar. O cancioneiro é um conjunto de cantigas popular oral, recolhas feitas pelos elementos do Xarabanda na década dos nos anos 80 e 90. O trabalho esta a ser registado por mim, pelo Jorge Torres que é antropólogo e por um etnomusicólogo. O cancioneiro é um estudo de classificação e sistematização de música tradicional madeirense, que ainda não tinha sido feito até hoje e tem de ser entregue este ano. O cancioneiro será editado em livro e disponibilizado para todas as pessoas.

E na internet?

RC: Ainda não. A associação Xarabanda tem um projecto para ser apresentado este ano, para ter efeitos imediatos no ano de 2013 que é uma base de dados com tudo sobre a música tradicional madeirense e aí o cancioneiro também estará disponível. Aliás, tudo desde vinis, letras e partituras, que é fundamental para as escolas, as universidades e os músicos procuram informação nesta área. Ao nível do turismo, porque é preciso pensar que as pessoas não nos visitam pelos hotéis e pelo clima, mas sim pela cultura que temos e que somos enquanto ilhéus, eles vêm á procura de um produto significativo, representativo da música tradicional madeirense e da nossa cultura musical única em relação ao mundo.

Essas recolhas são de áudio e vídeo?

RC: Sim, áudio essencialmente. O vídeo ainda não tínhamos material para recolher, porque foi um trabalho feito as nossas custas e não recebíamos qualquer apoio. Depois é que começámos a perceber que o governo tinha o dever de apoiar actividades do interesse cultural e apresentámos candidaturas e em alguns projectos tivemos um apoio, outros não. Este ano temos uma serie de actividades, porque os Xarabanda dividem-se em duas vertentes da actividade cultural, a investigação e a divulgação. O primeiro aspecto é fundamental porque é a base do conhecimento que serve à educação, a população e as pessoas interessadas. É nesse sentido que nos apoiamos, através da documentação existente nas nossas instalações.

Que outros projectos os Xarabanda promovem?

RC: Temos um acordo com a agência TUI faz já quatro anos, eles enviam grupos de turistas da Alemanha que vêm conhecer a nossa cultura, uma levada, um museu e durante meia hora ouvem música tradicional madeirense. É o que eu chamo turismo cultural e que já é uma realidade.

Vamos falar das novas gerações, nota um aumento ou diminuição do interesse dos jovens pela música tradicional?

RC: Eu tenho notado um aumento do interesse pelos mais novos. Estas novas gerações tem condições que nós não tivemos. A minha geração preparou o caminho para eles. E não falo apenas, só desta mostragem de divulgação da música tradicional mais moderna que vai ao encontro deles e do seu gosto. São eles a preferirem os instrumentos e o tipo de sonoridade. É um trabalho com trinta anos. Cada vez mais patente ao nível das escolas e professores vão adquirindo esta formação e informação. Tenho dito sempre que a música tradicional está bem entregue nas novas gerações de músicos. Já não sinto uma barreira em relação aos alunos que saem do conservatório de música, são muito mais abertos. Integram-se em outros grupos de cariz mais popular. Há uma maior abertura e aceitação, existe uma nova mentalidade que advém dos professores formados ao nível superior em termos de música. Os Xarabanda foram um modelo que serviu a base para outros agrupamentos. É um processo e continuámos, porque enquanto grupo temos um projecto cultural.

O público madeirense é sensível a esta questão? No passado havia uma certa vergonha em relação as raízes culturais. Notou uma evolução?

RC: Eu notei isso, devo dizer que há trinta anos, quando surgimos como grupo no panorama musical madeirense, não era comum. Éramos todos estudantes e a maioria alunos do conservatório de música, éramos estranhos e havia estudantes com um modelo mais clássico, com uma pseudo-importância que olhavam para nós de forma depreciativa. Na primeira actuação até fomos apupados, mas é preciso separar um público erudito, de um que percebeu desde inicio o nosso projecto. A Maria Aurora era uma pessoa com formação, que entendeu a nossa importância, foi aliás, a primeira. Logo depois vieram os restantes meios de comunicação social. Depois perceberam que tudo o que havia era uma cópia virado para os turistas, os Xarabanda eram diferentes, não virados para o turismo, numa época de diversos géneros musicais, esse público com uma determinada cultura percebeu e apoiou. Depois há aqueles que não tem essa cultura musical, que não percebiam viravam os olhos apenas para o pop e que apupou, mas vinte anos depois num concerto, as pessoas puseram-se de pé e aplaudiram durante muitos minutos e a pedir por mais. Este contraste anos depois reflecte uma mudança de mentalidades, afinal o público percebeu que estamos aqui para trabalhar com conhecimento, com seriedade, para valorizar e reconhecer uma cultura insular. Não foi fácil. Foi um processo longo, de um Xarabanda que não era apenas para animação turística, mas que tinha um projecto cultural. Está revalorização de uma cultura musical tradicional que era importante, a exemplo do que já tinha sido em outros países, não bastava o folclore. Durante quase cinquenta anos a imagem da ilha dependia do grupo da Camacha, quando não é. O cancioneiro madeirense vem neste sentido, valorizar esse espólio que é muito rico e que acontecia num ciclo anual.

Deixe um comentário

Certifique-se que coloca as informações (*) requerido onde indicado. Código HTML não é permitido.

FaLang translation system by Faboba

Eventos