
A retoma da independência é comemorada com pompa e circunstância na cidade de Santa Cruz, na Madeira.
A escuridão ainda abraça Santa Cruz, mas já se ouvem passos nervosos que irrompem pela calçada, as ondas a rugir no calhau, o eco de vozes em alegre algazarra pelas ruas e a azáfama incessante do roçar das mercadorias no mercado local. Junto da Quinta do Revoredo a paz é abruptamente interrompida pelo som dos instrumentos em debandada e gritos de alerta, a banda municipal prepara-se para marchar pelas ruas da cidade, dando início a uma das mais belas arruadas da Madeira, única em toda à ilha, que ininterruptamente reconstitui há mais de 80 anos, graças aos ímpetos nacionalistas de um maestro e alguns músicos, as comemorações do 1 de Dezembro de 1640.

Seis em ponto da manhã. O toque de alvorada ressoa pelas estreitas ruelas de uma cidade com alma de vila, espontaneamente o povo junta-se aos músicos que param em todas as instituições da freguesia, um a um todos são brindados com a mesma boa disposição matinal e um hino de teor nacionalista. No extremo oposto, santa-cruzenses e muitos curiosos, aguardam pacientemente, entre bocejos e conversas de circunstância junto dos paços do Concelho, pela banda municipal para dar início à encenação da restauração da independência, pelo grupo de teatro amador "Minuto". A revolta dos 40 conjurados contra o jugo dos espanhóis começa...dois conspiradores discutem os últimos pormenores para um plano de ataque ao palácio do Rei, com o objectivo de capturar a Duquesa de Mântua e providenciar a morte do secretário de Estado, Miguel de Vasconcelos, aproveitando a circunstância de que a corte espanhola havia abalado para Madrid. É o prelúdio de um momento perdido nos idos do tempo, mas ainda muito presente na memória colectiva que hoje é relembrado após 373 anos, os revoltosos liderando o povo empobrecido hasteando bandeiras bancas com o escudo de Portugal invadem o palácio entre gritos de: Matem o traidor e viva a liberdade! A nobre italiana entre protestos veementes é presa como é suposto e dom Miguel é enviado para a forca que o aguarda junto a turba. O gesto dramático arranca as gargalhadas e os aplausos de todo o público presente, já que, o que é lançado em seu lugar da varanda da Câmara Municipal de Santa Cruz, nada mais é do que um boneco.
Já os primeiros raios do amanhecer saltam pelas frestas do casario tradicional, quando a banda retoma o seu caminho desta feita até à Casa do Povo, onde os aguardam com vinho e whisky para ajudar a aquecer os corpos, não as gargantas. Essas, as vozes, já estão afinadas para os primeiros acordes do despique que vai ser cantado nas ruas, para gáudio de novos e velhos, ricos e pobres. A banda passa e detêm-se agora paulatinamente em todas as tascas, bares e restaurantes da cidade com alma de vila, os comerciantes agradecem oferecendo bebidas fortificantes e algumas iguarias associadas ao Natal. Na praceta Padre Gabriel Olavo Garcês ultimam-se os preparativos de um pequeno repasto para todos os presentes, um presente da Casa do Povo local, que dura há 12 anos, constituído de canja, sandes de galinha e carne e vinho de alhos, que chegam em boa hora, porque a fome aperta entre os "arruaceiros". Já a manhã vai alta quando findam as festividades do 1 de Dezembro que marcam o início de outro período muito importante para os madeirenses, o natal. Seja bem-vindo à Santa Cruz.