
Venha descobrir o antes e o depois de uma tempestade marítima que assolou a costa sul da ilha da Madeira, em particular a localidade de Santa Cruz.
Ao contrário do que se afirma não são só as mudanças climatéricas as principais responsáveis pela invasão do mar em terra, o oceano é uma força da natureza em constante mutação, viva e imprevisível e inúmeras vezes, esquecemo-nos disso. Desde que o mundo é mundo sempre existiram marés vivas, ondas gigantes e tempestades marítimas, o que mudou foi a acção directa do homem na costa, e numa ilha as consequências desses eventos naturais são no mínimo avassaladoras. No final da tarde do 17 de Dezembro de 2013 o firmamento pintou-se de cobre, um fenómeno natural que anunciava já o princípio do que seria uma longa noite de insónia e o prelúdio de uma tempestade tropical anunciada. O mar da costa sul da ilha da Madeira, por norma azul sereno como um poço como diz o povo, decidiu mostrar a sua força e destruir tudo o que se encontrasse no seu caminho. Ondas com nove metros de altura rebentavam ao largo de Santa Cruz sem dó nem piedade, num ruido quase ensurdecedor de pedras vulcânicas estilhaçadas em mil pedaços pela força da água salgada em fúria.

Eu e outros como eu olhávamos impotentes e silenciosos à invasão das águas, agravada pela força do vento e a chuva grossa que arrastavam esqueletos de árvores e entulho para as artérias principais da cidade com alma de vila. A rua da Praia tornou-se literalmente num passadiço para o mar invasor, as palmeiras agitavam-se, mas não partiam e os edifícios resistiam silenciosamente enquanto eram fustigados pela tempestade impiedosa. Quase ninguém se aventurava pelos passeios salgados. Noutros pontos de Santa Cruz as ondas alçavam-se e mostravam o seu furor branco, um fenómeno assustador, mas ao mesmo tempo de uma beleza quase indescritível, uma espécie de bomba de espuma que se fragmentava em milhões de gotas salgadas que banhava tudo em seu redor. Era a mãe natureza no seu melhor.

E no entanto, tudo tinha a perder, mas ao mesmo tempo, era difícil não admirar a beleza crua e selvagem de tal fenómeno natural. Foi uma noite longa, muito longa, de nenhum repouso e quando menos se esperava, pela madrugada a natureza também cedeu ao cansaço, raios tímidos de sol surgiram entre as nuvens cinzentas, as ondas acalmaram um pouco e as pessoas paulatinamente regressaram ao seu quotidiano, curiosas em busca dos prejuízos na costa. O calhau que cobria as bainhas da cidade com alma de vila desapareceu quase por completo, ficaram os restícios, pequenos montes cinzentos envolvidos por areia negra, os detritos da Madeira nova cobriam agora os espaços dos acessos pedonais, as palmeiras resistiram feridas com as suas raízes desnudas, as restantes plantas apresentavam folhagens negras queimadas pelo sal, as pedras das calçada estavam espalhadas pelas ruas e troncos de árvores maciças, plásticos e lixo acumulam-se um pouco por todos os recantos de Santa Cruz. Não foi das piores tempestades a que já se assistiu, mas deixou muitas sequelas materiais. E um morto infelizmente na localidade ao lado, em Machico.

Com a manhã já alta, algumas pessoas procuravam entre os escombros espalhados na praia restos das suas embarcações atracadas no porto de recreio, as ondas tinham pura e simplesmente inundado tudo, afundaram-se mais de 16 barcos. Nada restou, embora outros mais previdentes conseguiram colocar à salvo as suas pequenas embarcações. Ao longo da promenade as ondas procelosas deixaram um rasto de destruição, buracos nos passadiços, mas se o mar tira também dá, aos poucos a água salgada foi devolvendo os pequenos calhaus, foi amansando ao longo do dia, deixam-se ir, até mostrar de novo o seu calmo azul. Até o próximo ataque de fúria.