Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

h facebook h twitter h pinterest

Ano novo vida velha

Escrito por 

É um texto que pretende fazer a análise dos eventos que agitaram os media no último ano.

Gostaria de dizer antes de mais que não aprecio muito esta ideia de balanços, embora os tenha feito no passado como sabem. Contudo, este ano decidi escrever um texto diferente. Quero abordar as palavras-chave, pelo menos que considero relevantes do ano que já passou e que vão continuar a marcar as agendas mediáticas deste 2016.

A minha primeira palavra do ano é medo. Os últimos ataques terroristas perpetuados em vários países continuam a semear o caos e a desconfiança um pouco por todo o mundo. Os recentes atentados na Europa apenas provam que a maior arma destes grupos extremistas islâmicos é o medo. Não sabemos quem são, quantos existem, o que pensam e o pior quando vão atacar de novo e todas essas incógnitas são de facto uma arma poderosa. Antes do fim do ano foram noticiados inúmeros eventuais ataques que foram evitados a tempo pelas forças de segurança, mas será que toda essa informação veículada pelos meios de comunicação ajuda? Dá a impressão que quanto mais sabemos, menos seguros nos sentimos e parece que os terroristas “brincam” connosco da pior forma possível, ao nível psicológico. Creio que os europeus, no geral, sentem-se acossados, são tal qual as pessoas após um assalto nas suas residências, violadas na sua privacidade e inseguras no que julgavam ser um espaço seguro, porque afinal eles podem voltar, certo?

Imigrantes foi escolhida como a palavra do ano, concordo e creio que vai continuar a ser relevante em 2016. As ondas migratórias que ganharam maior expressão no 2015 demonstram não só que logisticamente e politicamente não estámos preparados para receber milhões de pessoas que fogem da guerra, da miséria e da fome, como psicologicamente os europeus na sua larga maioria prefere ignorar esta onda de seres humanos em movimento. As consequências são notórias, maior intolerância com as comunidades muçulmanas já existentes na Europa, um racismo cada vez mais patente em relação as pessoas com cabelos escuros, olhos castanhos e pele morena, como se houvesse um estereótipo já definido, um xenofonismo assumido abertamente e sem constragimentos por vários movimentos partidários europeus, basta olhar para o crescimento dos partidos de extrema-direita nas urnas em não apenas um, mas em vários dos ditos países evoluídos e o encerrar das fronteiras de muitas das nações limitrófes dessas mesmas rotas migratórias. Recentemente vi um filme que me fez pensar muito sobre esta esta temática, intitulado “a chave de Sarah” sobre o massacre dos judeus franceses. Há um cena em particular que me chamou à atenção pela inteligência do argumento, numa pequena redação discutem-se as atrocidades da chamada "concentração do Vel' d'Hiv" e de como as pessoas preferiam ignorar o que acontecia aos judeus que fugiam da morte, ou desapareciam pura e simplesmente das suas residências, ou do gueto, um dos personagens salienta até que sente vergonha dessa indiferença da maioria e que tal não voltaria a acontecer caso se repetisse, mas eis que alguém recorda que o mesmíssimo cenário se poderia aplicar aos actuais imigrantes que morrem nas costas europeias, afinal é preferível fingir que não é nada com connosco? É muito fácil condenar os outros no passado e olhar com uma certa arrogância para uma sociedade que considerámos retrográda, mas será? Hoje, você que esta a ler este artigo, também não fará parte de uma maioria que prefere ignorar o problema? Os políticos que resolvam essa questão, certo? Foi o que aconteceu na II Guerra Mundial e o resultado é o que se sabe.

Conectar continua ao meu ver a ser relevante em 2016, não pelas melhores razões devo acrescentar, embora as novas tecnologias tenham vindo a revolucionar o mundo em termos de comunicação, ao encurtar o tempo e as distâncias, ao contrário do que seria expectável não nos aproximam, muito pelo contrário, cada vez mais vivemos isolados na nossa “bolha”, no nosso “cocoon” como descreve Faith Popcorn no seu livro, “eve-lution”, que nunca foi tão actual como agora. Se reparem tudo pode ser adquirido hoje em dia online, nem sequer é preciso sair de casa, pelo menos nas sociedades mais desenvolvidas, podemos estudar, trabalhar e ter uma existência aceitável sem sair das nossas quatro paredes, evitando ao mesmo tempo ser confrontados com a violência imprevisível que se vive nas ruas. É também porventura a sociedade mais auto-vigiada de sempre. Quando George Orwell escreveu “1984”, imaginou um mundo comandado pelo “big brother” que até conseguia controlar os pensamentos dos seus cidadãos. Na actualidade, as pessoas gravam e fotografam todos os momentos da sua existência, por mais fúteis que sejam, há câmaras em todo o lado, nos edifícios públicos, nas ruas, nas nossas casas tudo em prol da nossa segurança, isto sem falar das redes sociais e dos motores de busca que coleccionam informação preciosa sobre os nossos gostos e preferências e nem precisam de pagar, nos fornecemos todas essas informações gratuitamente e não consideremos que nada disto seja invasão da privacidade, muito pelo contrário. A ironia se ainda não percebeu, é que não foi preciso criar um governo que controlasse as pessoas, os seus pensamentos e gostos, todos nós somos somos o “big brother” das nossas próprias vidas e isso já é tão aceitável que nem sequer se questiona.

As pessoas, por outro lado, um pouco por todo o globo estão cada vez mais dependentes das suas existências vituais e já é tão notório a escassez de contacto directo que basta dar uma vista olhos numa esplanada, ou num restaurante, ou até num bar para se poder constatar facilmente que as pessoas não comunicam. Estão conectadas aos seus telemóveis, ipads e portáteis, nem sequer conversam entre si, estão lá fisicamente, mas ausentes ao mesmo tempo. Faz sentido? Para ilustrar esta ideia vou resumidamente contar a história de um artigo muito interessante que li sobre esta mesma questão, um restaurante famoso em Nova York (do qual não me lembro o nome) que existe desde a década de 70, andava a ser alvo de processos judiciais por parte de clientes que se queixavam que a comida vinha fria. A gerência, consciente do má publicidade que tudo isso acarreta, decidiu rever todos os procedimentos desde o momento em que o empregado de mesa anotava o pedido, os tempos da cozinha e o quanto demorava até o prato chegar à mesa. Chegaram à conclusão que demorava cerca de meia hora como vinha acontecendo quase desde o dia de abertura e até se deram o trabalho de ver as antigas cassettes Beta e VHS para verificar se havia ou não diferenças e o que encontraram? Que de facto no espaço de 30 anos tudo mudou. Se no passado as pessoas entravam no restaurante, faziam o seu pedido, bebiam até um aperitivo e enquanto aguardavam conversavam, actualmente, os clientes entram, pedem e quando a comida chega à mesa, ou estão já entretidos com os seus gadgets e nem dão quase pela chegada da comida, porque é preciso estar online sempre, ou ficam entretidos a tirar fotografias dos pratos, que imediatamente postam nas redes sociais, onde logo de seguida comentam tudo e mais alguma coisa e quando decidem comer, já esta frio. É evidente que para evitar futuros processos judiciais o restaurante em causa publicou um anúncio enorme no jornal de maior tiragem da cidade e no “craigslist” com todas estas constatações e onde assume que já não se responsabiliza pelo mau comportamento dos seus clientes. Dá que pensar, certo?

As personalidades fícticias que se criam nas redes sociais é outra faceta do mesmo problema, se reparem todos são felizes, ou estão constantemente em festa, ou de férias. Nada é real, tudo é montado e ajustado com photoshop para parecer ideal. Pergunto-me que tipo de sociedade estámos a criar onde as pessoas sofrem de um aparente narcisismo galopante, onde tudo é aparentemente belo e perfeito e se mostra tudo???? Olho mesmo com muita preocupação para este embrutecimento das novas gerações e de como as pessoas já não são avaliadas pelas suas competências, mas sim pela sua aparência e quantos seguidores possuem nas suas páginas sociais, pensem um pouco, se um dia e não é um cenário impossível, se a internet falhar o que eles vão fazer? Já pensaram que os únicos que se safam são os que conheciam o mundo antes da chegada as novas tecnologias? Estou certa ou estou errada?

A palavra mulher é e continua a ser infelizmente um tópico actual. As cenas de violência sexual que acontecem com grande frequência em muitos países onde as mulheres ainda são vistas como seres inferiores, agora, chegaram à Europa. Os recentes ataques que ocorreram em Colónia e outras capitais europeias no final do ano são disso um exemplo para pior. Em pleno século XXI ainda somos confrontadas com todo o tipo de violência, quer seja físico, como psicológico, mesmo nas sociedades ditas evoluídas. As mulheres ainda são as maiores vítimas, um pouco por todo o mundo, do tráfego de seres humanos e da escassez de quaisquer direitos ou garantias, embora finalmente tenha sido acordado um documento na ONU que visa evitar a violência sexual em zonas de guerra. A verdade dos factos é que estes casos continuam a manchar a nossa realidade e volto a frisar o caso das meninas que foram raptadas pelos Boko Haram e cujas famílias ainda sofrem em silêncio. Recordo os ataques a várias jovens na Índia, as mulheres desfiguradas do Paquistão e as meninas traficadas da Tailândia. Mais perto, lembro com vergonha que as mulheres imigrantes, em plena Europa, são coagidas e ameaçadas pelas redes de traficantes a prostituir-se para pagar pela sua passagem e da sua família, perante a indiferença das autoridades. Por tudo isto, infelizmente, será mais um ano de luta contra a discriminação do género. Mas, nem tudo são más notícias, pela primeira vez na história dos países islâmicos, uma mulher foi eleita deputada na Arábia Saudita e no meu país, uma estatística também histórica um terço dos deputados da assembleia da república são mulheres. O próximo objectivo? Eleger uma primeira-ministra! E a luta continua...

Deixe um comentário

Certifique-se que coloca as informações (*) requerido onde indicado. Código HTML não é permitido.

FaLang translation system by Faboba

Eventos