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O panelo do seixal

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É mais uma das mais belas tradições da ilha da Madeira, na companhia do club dos pés livres.

Há precisamente 67 anos Maria da Conceição Silva mal sabia andar nas suas frágeis perninhas e já vinha na companhia dos seus pais à pé até o chão da Ribeira para festejar o Santo Antão, padroeiro do Seixal, no primeiro domingo após o fim do ano. Os socalcos, nessa altura do ano, estavam cobertos de couves em flor e os agricultores aproveitavam o dia para preparar o solo para plantar as semilhas, as batatas, o feijão para a próxima colheita. Os palheiros albergavam os bichos, os instrumentos da lavoura e a erva que alimentava os animais domésticos que contribuíam para os parcos rendimentos de toda a família. Logo pela manhã fresca, familiares, amigos e vizinhos conviviam e festejavam em volta do fogão a preparação do panelo. Cada qual contribuía com o que trazia de casa, era a refeição dos trabalhadores por excelência, o que houvesse era deitado para dentro do panela, no final, sob uma manta feita de folhas de couve colocava-se a toalha aos quadrados onde seria depositado o almoço que todos degustariam da melhor maneira que lhes aprouvesse.

 

A música nunca faltava, a alegre sonoridade das vozes e dos instrumentos ecoava pela montanha, assinalada também pela passagem de ramos de flores de couves erguidos por jovens mulheres em rodopios. Os músicos paravam em todo o lado para alegrar os convivas ao que eram brindados com aguardente, vinho e licores da época em cornos para saciar as gargantas secas de tanto tocar e cantar.

 

 
67 anos depois Maria da Conceição Silva mal pode de tanto bailar e cantar desde o inicio da estrada até o palheiro onde em convívio com os amigos e família celebra com o mesmo entusiasmo e alegria a que é agora uma das maiores tradições da ilha da Madeira. A paisagem, essa, modernizou-se. Os palheiros foram na sua grande maioria recuperados, os animais domésticos desapareceram, os terrenos foram abandonados, as plantas endémicas abundam, mas o panelo continua. Desta feita, Cecília de Andrade, a cozinheira de serviço, comanda as "tropas" para alimentar 150 caminheiros do club dos pés livres que mais uma vez cumprem a tradição. São 45 quilos de couves, 10 kg de semilhas (batatas), 10kg de batatas-doces, 10kg de cenouras, 15kg de pimpinelas, 30kg de carne de vaca e porco, e vários quilos de enchidos que compõem o cozido à Madeirense. O "segredo" diz-me, está na forma como é aromatizado, com ramos de tomilho fresco, que é depois retirado da cozedura. Cada uma das verduras e carnes é colocada camada após camada, até quase o topo da panela que é preenchido com as couves e nos pequenos intervalos são colocadas as chouriças, as farinheiras e as morcelas. Tudo é cozido não num fogão de lenha como antigamente, mas a gás lentamente durante duas horas, até a água da cozedura é escoada para cozer o arroz. Nada é desperdiçado no panelo.

   

Mas, se a tradição antes ditava que se podia comer com as mãos, agora cada um traz o seu prato, os seus talheres e o seu copo para poder saciar a fome após um percurso duro. Depois de saciada a mais básica das necessidades humanas, nada melhor para acabar um final de dia maravilhoso e cansativo, do que ter uma barriga cheia ouvindo música tradicional à maneira. Até para o ano.

 

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