Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

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Yvette Vieira

Yvette Vieira

sexta, 28 dezembro 2012 20:07

O romance grotesco

O Manual dos inquisidores é um livro de António Lobo Antunes que aborda a vida de uma família portuguesa na sua expressão mais boçal e dramática.

Trata-se de uma inquisição ao passado de uma família pela voz de várias personagens. Este romance é o reflexo de uma das formas de escrita que melhor identificam o autor, os famosos flashbacks, que tanto apreciamos na sua peculiar literatura. É um romance ao contrário, ou seja, tudo começa no tempo presente, evocando um tempo ido muito específico da nossa história contemporânea, a personagem principal é um ministro do Salazar. Recuamos assim no tempo, através da narrativa em várias vozes, procurando explanar algumas das angústias e as vivências dos personagens, enquadradas num período que culminou com a revolução dos cravos. Não é um livro feliz, no sentido em que é o retrato de uma geração desencantada e de um casamento fracassado. Curiosamente, quase nunca o são. As histórias de Lobo Antunes, tem sempre um quê de trágico e de hiperrealismo como apelidam os especialistas o seu tipo de literatura. Se querem mesmo a minha opinião e mesmo que não queriam vou dá-la na mesma, creio que se trata de um termo intelectual para disfarçar o facto que os seus romances são sempre fatalistas. Não que defenda o final feliz constante do foram felizes para sempre, mas poderiam ter uma carga menos negativa, talvez um pouco mais optimista. O que não invalida a genialidade do autor, que também já foi alvo de várias candidaturas a prémio Nobel da literatura. Goste-se ou não, o facto é que o escritor não nós deixa indiferente, de tal forma que a nossa relação com António lobo Antunes só comporta duas opções, ou se ama ou odeia, não existe o meio-termo. Esta publicação é o que se chama um romance grotesco. A saga de uma família, através de várias gerações, com uma figura predominante, o pai e de uma ausente quase fantasmagórica que é a mãe, o retrato de um lar desfeito. Quanto aos inquisidores, quem são? Isso, meus amigos terão que descobrir por si mesmos! Leiam e reflectiam. Boa leitura.

sexta, 28 dezembro 2012 20:05

O memorial do convento

É uma das obras de José Saramago mais aclamadas pelo público português. É a história de um amor que cresce ao ritmo da construção de um convento.

O primeiro livro que li de José Saramago foi precisamente o Memorial do Convento e continua a ser um dos meus preferidos. É uma obra difícil de ler pela falta de pontuação, mas ao mesmo tempo, é um golpe de génio do autor, porquê? Porque somos obrigados a ler as construções frásicas com maior atenção e testemunhar a beleza estética da escrita, para não perder-nos nem uma pitada de uma das mais belas histórias de amor da literatura portuguesa. Temos de ler os capítulos num fôlego só para perceber o enquadramento da acção e o esmiuçar dos pequenos detalhes pictóricos que fazem desta obra uma leitura obrigatória. Os belos diálogos entre os personagens tem de ser lidos de princípio ao fim, porque parar a meio é perder o fio a meada.

A Blimunda, a nossa heroína anónima, é uma personagem que alberga em si poderes especiais, ela vê as pessoas por dentro. Baltazar Sete Sóis, seu amado, é um aventureiro, vai ajudar a construir o aparelho voador do padre Lourenço, a famosa passarola. O pano de fundo é a construção do Convento de Mafra uma promessa do Senhor El-rei de Portugal, João V, que por obra e graça de Deus lhe concedeu um herdeiro

Talvez a edificação do monumento eclesiástico não seja secundária, na medida em que acompanhamos paralelamente a vida conjugal dos Reis de Portugal que é um complexo processo muito elaborado e bem descrito no primeiro capítulo e a história de amor singela e ao mesmo tempo estranha de Blimunda e Baltazar. Até a escolha dos nomes dos personagens principais é tão inusitada, tão pouco português. Não faz mal, hão-de perdurar pela eternidade. Boa leitura.

sexta, 28 dezembro 2012 20:02

Uma perspectiva da história da madeira

É a visão global do estudioso Rui Nepomuceno sobre os eventos políticos e sociais que agitaram ao longo do tempo a ilha.

Trata-se de um autor que apesar de não ser um historiador é uma estudioso interessado pelo percurso histórico da ilha da Madeira, Rui Nepomuceno estuda vários períodos chave da evolução económica, política e social do Arquipélago desde o povoamento até a revolução do 25 de Abril de 1974. Segundo Urbano Tavares Rodrigues, autor do prefácio, esta obra do escritor “ junta, aliás, ao escrúpulo da investigação rigorosa e exaustiva, a clareza e a elegância da escrita”.

Ao ler esta publicação uma ressalva, trata-se de um ponto de vista um tanto quanto marxista, já que o autor defende que a Madeira “poucas décadas depois após, o inicio do povoamento e durante um largo período, a classe dominante aliada ao poder central fomentou o aproveitamento económico, sobretudo no sul da ilha…”. A afirmação poderia encaixar-se em muitos momentos da história de outros países que não Portugal, fica contudo, aqui expresso neste livro de uma forma meticulosa e clara na linguagem, citando literatura e autores de méritos reconhecidos para o efeito, o percurso de um arquipélago ao longo de cinco séculos. Não é um livro que se leia de uma ponta a outra, como se fosse um romance, apesar de que se o pode fazer, o que pretendo ao abordar esta publicação é que sirva como exemplo de um livro de elevada qualidade que se pode consultar para ficar a par dos momentos e os intervenientes que marcaram indelevelmente a ilha. A sua estrutura narrativa é interessante e o estudioso fundamenta tudo o que afirma através da bibliografia escolhida. Boa Leitura.

sexta, 28 dezembro 2012 19:59

Meu portugal brasileiro

Trata-se da obra mais recente de José Jorge Letria. É a jornada de um português na corte de D. João VI instalada no Rio de Janeiro.

É um retrato histórico romanceado do exílio dos reis de Portugal no Brasil, durante as invasões francesas. É um exercício de qualidade literária, porque não se limita ao retrato ficcionado de uma época, procura evidenciar a ambiguidade de dois mundos completamente díspares. Com uma narrativa sem grandes floreados, antevemos a natureza humana, através do seu personagem-narrador, António Pereira Vicente, um jovem militar que é destacado para a escolta de uma das rainhas mais odiadas de Portugal, Carlota Joaquina. É através da sua vivência que vamos conhecendo este novo mundo repleto de influências culturais que desconhece mas, que ao mesmo tempo o fascinam.

O livro aflora a forma como os portugueses exilados, em especial a monarquia, criam laços com esta nova colónia e como são vistos pelos novos súbditos. O papel do esclavagismo no crescimento e desenvolvimento da cidade, “capital” do Reino na altura e a influência da cultura africana, através da personagem, a feiticeira Jandira.

É também o reencontro do nosso narrador com o seu país e a sua descendência, após décadas no Brasil, ao serviço de um rapaz que viu crescer, Dom Pedro, futuro Rei de Portugal e Imperador do Brasil, durante a luta liberal que trava com o seu irmão absolutista Dom Miguel em território nacional.

É o nascimento de um novo país, graças ao libertador e o seu famoso grito de Ipiranga. Uma celebração histórica, género que muito aprecio, sobre dois povos, dois mundo interligados por uma língua comum e por um certo acaso que permitiu a criação de uma dos maiores países da América do Sul. Boa leitura!

sexta, 28 dezembro 2012 17:54

O apocalipse nau segundo Rui Zink

Este livro conta a história de uma família banal, perante a iminência do fim do mundo. Um retrato da vida conjugal, do seu desencanto, com uma certa crueldade e ironia à mistura. É a vivência da não tão sagrada família descrita pelo autor.

O apocalipse nau foi inspirado no fim no mundo anunciado por causa do vírus informático de 2000?

Rui Zink: Sim, se houve um género seria o livro do milénio. Ele estava lá pelo menos a quinhentos anos. E de repente nós estamos no fim do milénio, o que tem uma grande força imaginária, o livro insere-se ao nível da carapaça num subgénero de livros sobre a ameaça do milénio, à volta desse fenómeno atraente e tenho a certeza que ele terá tido cerca de três mil produtos em todo o mundo, entre discos, filmes e livros. Este é mais um. A diferença a existir é ao nível do modo, como se aproveita esse truque, esse pequeno gadget.

A morte preocupa-o? Fala muito sobre ela neste livro.

RZ: Não sei se a morte me obceca, é aquele fim da história que a todos nos vai acontecer e sabemos disso. Ao longo da vida vamos tendo diversas percepções da morte. Quando se é criança a morte é imaginária, é um papão que lá está. Quando se é adolescente ou se é invencível, ou escrevemos muito sobre a morte. Os jovens escritores põem muitos mortos nos seus livros. Quando não sabemos o que fazer a personagem matámo-la. E acho que é o que Deus faz as pessoas, quando não sabe o que mais lhe fazer, mata-as. Mas, a morte para um escritor é a solução fácil, quando não sabe o que fazer. Eu gosto de ver as minhas personagens viver. A minha relação com a morte é saudável, tenho medo dela. Tenho mais medo que aconteça aos outros, do que a mim. E é uma coisa estranha, nós sabemos que existe, sabemos as regras do jogo, mas quando chega a nossa vez queremos alterar as regras do contrato. Isso acho interessante. Agora estou a entrar na idade em começo a estar mais próximo da morte do que do nascimento.

E encara isso com tranquilidade?

RZ: Gostava de ser mais novo (risos). É muito desagradável para mim saber que daqui a 10 anos tenho sessenta anos. E que mais cinco, sessenta e cinco. As pessoas dizem-me, não pareces da tua idade, pareces mais jovem. Mas, a verdade é que nós temos mais essa noção que uma pessoa pode esticar com saúde até os anos, mas a partir daí estamos para os outros na categoria do velho. Mesmo que sejamos velhos-jovens. Os riscos de doença psíquica já são grandes. E mesmo com a minha idade, ou seja, este ano faço cinquenta, o que comecei a ver é que vou mais a funerais do que casamentos e começa a ser trivial ter a informação que amigos ou familiares que estão doentes, com cancro, com isto ou aquilo. É trivial ter amigos que morrem. E é muito estranho perceber que o adolescente com leucemia é uma tragédia, mas um homem de 50 anos descobrir o mesmo é uma chatice. Há uma mudança.

Falando das personagens do livro, parece-me que apesar de todos os personagens usarem de uma linguagem muito assertiva, o Jorge é o que tem mais de si?

RZ: Eu acho que todos. O escritor é o pai de todas as personagens. É preciso o autor cortar um bocadinho do seu sangue para alimentar todas as personagens. Se não der esse sangue parece oco. Isto é como uma peça de teatro, este texto para começar passa-se num espaço de algumas horas. Passa-se quase todo num espaço fechado que é a casa do casal, é uma espécie de sagrada família. O Jorge é o personagem com quem eu simpatizo mais, porque é o perdedor. Quando pus o Vítor que é uma pessoa irritante, o gajo com sucesso, também me projectei nele, só que projectei a irritação que devo causar a algumas pessoas. O gajo a quem corre tudo bem, muitas viagens, a vida é fácil, dinheiro, fama e mulheres. E portanto, tenho um truque na maior parte dos meus livros que é a pessoa em que mais estou é no mau da fita que, aquele onde o leitor nunca via procurar o autor. Neste caso, o mau da fita é só execrável e o Jorge é simpático, não só porque é o que mais acompanhamos, como também é a vítima. Ele é muito interessante, mas a yvette devia perguntar-me, mas onde é que foi buscar o modelo para esta vítima?

 

sexta, 28 dezembro 2012 17:47

O livro

Esta publicação de José Luís Peixoto remete-nos para um período de grande êxodo do nosso país, de uma geração desencantada e sem saída, um tema mais do que actual.

A história do livro é um decalque romanesco quase perfeito de todos os portugueses que nos finais dos anos 50 e 60 se viram forçados a emigrar. Sim, obrigados, já que ninguém nessa altura o fez por livre e espontânea vontade. É também a descrição brilhante de um dos capítulos mais importante da nossa história contemporânea e que é abordado por este autor com uma certa crueza e sem qualquer deferência por um passado que não foi de todo fácil para toda uma geração.

É a fuga do país-prisão como o escritor lhe chama que nos conta a história de uma família portuguesa sem sobrenome, que foge para França em busca de uma vida melhor. É uma narrativa fragmentada porque se estabelece em dois tempos. A primeira, mais triste que descreve um país empobrecido, onde a única opção que restava aos mais jovens era a emigração, para fugir da fome, da miséria e da tropa no caso dos homens, rumo a guerra colonial. Nesta parte da narrativa, o escritor descreve a vida dura pela sobrevivência diária numa aldeia no interior do país. A segunda parte é mais leve, esperançosa até porque descreve o período pós-25 de Abril. É o tempo do país sonhado, do regresso dos emigrantes da evolução social e cultural de uma nação que já não se fecha ao mundo, muito pelo contrário. Quanto ao título, deixo essa questão no ar, por um bom motivo, descubra-o ao ler esta belíssima homenagem literária aos milhares de portugueses que tiveram de deixar o seu país à procura de um sonho. Boa leitura!

sexta, 28 dezembro 2012 17:44

Primeiro as senhoras

Mário Zambujal dispensa apresentações. Não só pela sua carreira profissional ligada ao jornalismo, mas sobretudo pela escrita. Neste livro o autor, após um longo período de ausência no meio literário, decide escrever um monólogo cujo protagonista é também um malandro, que tenta enganar a polícia durante um interrogatório. Trata-se de um texto em que a inovação surge pela total ausência dos restantes personagens. É o narrador que nos conta várias histórias ao longo de vários capítulos.

Porque esperou tanto tempo para escrever este livro?

Mário Zambujal: Olha, estive sempre a escrever, mas durante anos eu escrevi imenso comédias, coisas para televisão, para audiovisuais, séries e não tinha tempo nem disponibilidade mental para estar a escrever mais livros. E há aí um hiato de largos anos em que eu embora não tivesse deixado de escrever e fazia-o abundantemente para vários meios, a televisão sobretudo.

E como surgiu a vontade sentar-se e escrever?

MZ: Depois em conversas com os amigos: eh pá, quanto te decides escrever uma coisa qualquer? Decidi escrever uma graça que fosse divertido e pretendi que o livro tivesse alguma originalidade e preocupo-me imenso com essa questão, naquilo que digo e que escrevo. E então optei, a minha pretensão, a minha presunção foi escrever um imenso monólogo embora não o pareça. Porque é sempre o protagonista a contar a história dele a um inspector da polícia que nunca abre a boca. E portanto é sempre ele que está na qualidade de acusado de ter forjado um rapto, ele está sempre a depor. E a contar, contar e contar histórias. E a presunção é que isso resulte num livro que não parece um monólogo imenso, porque tem imensas histórias que vai contando.

Ele é o anti-herói?

MZ: Ele é um anti-herói no sentido que brinca com as suas próprias fraquezas, é um troca-tintas e um bocado aldrabão, porque é suspeito já de um rapto e forjou-o. Esta sempre a tentar dar a volta ao inspector da polícia que nunca fala. E cada capítulo é uma das declarações dele, com muitas histórias.

Porque o título “Primeiro as senhoras”?

MZ:  Primeiro, porque é um velho cumprimento as senhoras. Ladies first. É uma norma de cortesia que este malandro tinha como regra de vida, porque era um galanteador, era um tipo que tinha essa característica, atracção pelas mulheres e arranjar sarilhos evidentemente como sempre.

Este livro sofreu um certo estigma por causa da “Crónica dos bons malandros”?

MZ: Eu tenho a impressão que escreva eu o que escrever, eu estou muito marcado pelas crónicas. Fui o primeiro livro que escrevi, por graça e brincadeira, quando as pessoas se referem a mim até me chamam meu bom malandro, eu não tenho forma de fugir a aquele livro, por muito que escreva e penso que alguns estão mais perfeitos tecnicamente e literariamente do que a “crónica dos bons malandros”…

E este?

MZ: Este tem mais cuidado, mais esmero. Foi feito com uma atitude mental da minha parte diferente quando o escrevi, ao passo que nos bons malandros era a absoluta despreocupação, era uma coisa para brincar com os meus amigos, não tinha nada para me preocupar. Com este livro tal não aconteceu, tive um maior cuidado. Se eu quisesse ser sincero, eu não queria que este livro tivesse nada por onde se lhe pegar em termos negativos. Embora a presunção seja sobretudo divertir, é uma publicação para esse efeito, com estilo mais puro que o outro.

sexta, 28 dezembro 2012 17:41

A sibila

É um livro que percorre três gerações de mulheres da mesma família, as Teixeiras. É um romance literário que fala de vida, luta e morte. É um dos maiores clássicos da literatura portuguesa, escrita por Agustina Bessa Luís.

Falar da Sibila é falar da Quina, a dona e senhora da Casa das Vessadas. É uma das personagens femininas mais marcantes da literatura portuguesa. Agustina Bessa Luís gosta de escrever sobre mulheres, do universo em que se movem, das forças místicas que as acalentas e as dúvidas que as perseguem. A sibila é intensamente feminino se é que podemos dizer isto. São várias as personagens que povoam esta publicação, mas as mais marcantes são elas, as mulheres. E por isso que gostei tanto de ler este livro.

Maria da Encarnação é o princípio dessa viagem a um universo onde as mulheres estão cingidas ao mundo fechado do seu lar, mas que acaba por deixar a sua marca. Seguimos-lhes o percurso que passa pela amor as suas raízes e ao infiel marido, gastador compulsivo. Depois temos a Joaquina Augusta, a sibila, que gere o legado familiar com pulso de ferro, e em particular um local, a Casa das Vessadas da qual se considera guardiã. É uma personalidade fascinante porque apesar da sua fragilidade física é ela que comanda o destino desta família com a ajuda dos seus poderes sobrenaturais. E por fim Germana, a solteira, intelectual que é a futura herdeira deste território quase feudal e a nossa narradora. Todas elas assumem a sua responsabilidade perante a adversidade de uma forma maternal, protegem os seus e os que delas dependem. Mesmo aquelas que não  geram descendência. Tudo é canalizado em prol da casa que tanto amam e da terra que defendem com unhas e dentes. É também a história de um certo estilo de vida ligada a ruralidade e a um passado profundamente nacionalista.

Uma vez li e não me recordo quem o escreveu, mas devia ter sido um crítico literário que dizia que, nos grandes clássicos de literatura verificava que as melhores personagens femininas eram escritas por homens, dando como exemplos, Madame Bovary, Anna Karenina e Lady Macbeth. Do lado feminino, justifica a sua tese, com o Monte dos Vendavais, através do Heathcliff, em Orgulho e preconceito com o Mr. Darcy e o Poirot de Agatha Christie. E isto tudo para dizer o quê? Que ao contrário deste crítico, e julgo que devia ser britânico pela escolha literária, parece-me redutor falar de um tipo de descrição primorosa baseado no sexo do escritor. E apesar do argumento fazer sentido, eu acredito que ele nunca leu Agustina Bessa Luís. Bastava que ele começasse por este livro. Ela escreve sobre mulheres fortes, com fragilidades como qualquer ser humano, sensíveis até em muitos aspectos, mas fala delas de forma exímia e inesquecível. E se continuarmos a ler outras obras, iremos verificar isso mesmo, a escrita no feminino de Agustina remete-nos para personagens simplesmente sem igual. Boa leitura.

sexta, 28 dezembro 2012 17:33

A alma do viajante

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São as crónicas de viagem de Filipe Morato Gomes durante a sua volta ao mundo. Textos esses que foram publicados no Público e que foram compilados em livro.

Filipe Morato Gomes decidiu um dia fazer uma viagem ao redor do mundo. Ao contrário de Willy Fogg, no livro de Júlio Verne, não demorou apenas 80 dias e muito menos foi o resultado de uma aposta, mas antes de uma necessidade de partir. Bruce Chatwin, talvez um dos errantes mais conhecidos do mundo, atribuía esta ânsia pela viagem, pelo horror do domicílio, um comportamento quase irracional, que resultava do nosso ancestral comportamento nómada, que ainda resiste em alguns de nós.

A aventura que levou algum tempo, não vou dizer quanto, tem de descobrir ao longo dos milhares de quilómetros que percorre, pelas inúmeras localidades que visita e pelas pessoas que encontra pelo caminho. É uma visão pessoal dos vários continentes e das experiências que vive nas paragens mais recônditas do mundo.

O nosso viajante transita por vários países e as suas diferentes culturas através dos vários meios de transporte ao dispor do freguês e posso garantir que ao contrário do herói de Verne, nem sempre as coisas correram bem. Posso adiantar que não salva uma donzela em apuros, mas conhece outro tipo de mulheres pelo caminho. Se não leu as peripécias deste português no Público, pelo menos leia o livro. Boa viagem!

sexta, 28 dezembro 2012 17:28

A máquina de fazer espanhóis

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Não é um livro de fácil leitura no início. É um osso duro e requer persistência. Sendo uma obra literária sobre o envelhecimento, o Valter Hugo Mãe descreve uma realidade que o deixou consternado. E para melhor compreender esta obra, entrevistei o autor e eis o resultado da nossa conversa.

Há neste livro uma personagem que vai viver para um lar de terceira idade. Não será arrogante da sua parte descrever uma situação pela qual nunca passou?

Valter Hugo Mãe: Eu vejo as coisas assim, a escrita de ficção, literatura, tem mais a ver com a intensificação dos sentimentos e das percepções, do que propriamente com a experiência. A Agatha Christie não matava pessoas para saber como seria a cabeça de um assassino. Não temos que passar pela experiência de todas as personagens que inventamos para escrever sobre elas. Porque são isso mesmo, inventadas. E uma das coisas que mais me fascina no exercício da escrita, é exactamente isso, é esse poder da imaginação que leva sem deixarmos de ser nós, eventualmente sem deixarmos de sair da nossa casa, eu por norma trabalho na minha casa, entender e retratar ficcionadamente o que será a vida dos outros. Perscrutar o que será uma vida. Escrever um livro de ficção é sempre uma tentativa, um risco. A mim interessou-me muito escrever um livro sobre um homem de oitenta e quatro anos que absolutamente não sou eu, porque não poderia comparar-me com uma pessoa tão mais velha. Mas, interessou-me porque é um desafio grande, o tentar entender quais são as preocupações do que é plausível que preocupam um homem com essa idade.

Envelhecer preocupa-o? Medo de acabar como o personagem num desses lares de idosos?

VHM: Preocupa-me um pouco a perca das capacidades, da fragilização. Esta coisa de como eu digo no meu livro, esta coisa de vivermos um bocado contra o corpo. O corpo a certo ponto torna-se um inimigo nosso. E isso levanta-nos tremendas frustrações e acaba por nós abater. E não posso deixar de ter uma certa expectativa que não me impede de gostar de viver, e querer viver, mas que me cria uma necessidade de perspectivar o futuro, de passa-lo bem. É melhor fazer isto, ou não fazer aquilo, para não agravar o meu problema de costas. Ou os problemas de ossos. E há uma previdência que a mim me interessa, porque gostava de acreditar, mais do que isso, gostava de ter uma terceira idade com qualidade de vida.

A linguagem é outra das questões importantes neste livro. É duro de entrar na pele do personagem. Foi propositado para termos a noção do sofrimento do senhor Silva?

VHM: O que acontece a personagem é de tal forma violento que eu não achei que fosse interessante transformar logo no inicio do livro, numa coisa diferente daquela violência. Eu quis que retrata-se, que pudesse fazer justiça aquele tipo de sentimento, aquela disfonia total que tem a ver com o ter perdido a esposa, ter passado uma vida inteira que de repente vê-se esgotar-se num acto tão trágico. E por isso, tem a ver com o ritmo das coisas, depois eu acho que o romance acaba por levantar e acaba por arejar-se de alguma forma. Mas, a entrada do livro precisava desse negrume, porque era disso que estava a falar.

O senhor silva é uma metáfora para o país?

VHM: O senhor Silva é um representante do nosso povo. Um país entristecido, desmobilizado, desacreditado, e que depois vive com muitos paradoxos, gritar soberania mas invejar os espanhóis. Achar eventualmente, que não está bem em lugar nenhum. O senhor António Silva tem essa mistura e entre acreditar numa e outra coisa. É uma personagem que aqui e acolá, vai virar da esquerda para a direita. O cidadão comum é sempre menos estruturado do que podíamos para os catálogos. Catalogar as pessoas é uma definição e o cidadão comum é sempre indefinido, o sujeito é sempre um pouco mais assim e um pouco mais assado do que nós para a prática dos catálogos gostaríamos que fosse. E por isso arrumar as pessoas não é fácil. Não é fácil de uma penada retrata-las. O retrato só fica completo com esses paradoxos e idiossincrasias.

Qual das personagens tem mais de si no livro?

VHM: Talvez o queridíssimo senhor reformado do Museu Nacional de Arte Antiga, o senhor Franco, porque gosto muito daquela ilusão, da capacidade de se apaixonar. Da importância que dá aos livros. Encarar um livro como uma generosidade, algo que deixa generosamente às outras.

Gostava de ser espanhol?

VHM: Não! (risos)

 

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