Um olhar sobre o mundo Português

 

                                                                           

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Yvette Vieira

Yvette Vieira

segunda, 31 dezembro 2012 20:46

Eime, o capturador de almas

Daniel Teixeira mostra o que sente através de uma forma de expressão efémera e isso não o incomoda, a banalidade sim. Faz parte do movimento de arte urbana que clama pelas ruas da cidade. Pelas suas paredes e seus destroços. É um artista que aborda o ser humano nas suas pinturas em stencil. Procura entre milhares de rostos, aquele que mais está marcado pela vida e captura cada uma das linhas dessa face, porque elas contam uma história. A deles.

Quando desenhas os rostos, noto não só uma aproximação à realidade, faces hiperealistas, parecem fotos, como também que na sua maioria são pessoas com expressões de tristeza, sérias. Onde procuras estes rostos e como os escolhes? Tiras fotos e depois desenhas?  Procuras chocar para chamar à atenção?

Eime:Talvez as pinturas mais recentes se aproximem bastante da fotografia que me serve de base, mas não gosto de chamar hiper-realismo ao que faço, porque não o é. O que procuro cada vez mais são os pormenores da imagem e da fotografia, mas sempre com uma expressão artística própria da técnica de stencil ou seja, ao cortar um stencil gosto de deixar linhas retas, o que acaba por não ser natural numa cara. Não é muito fácil explicar por palavras porque até eu ainda estou a ser levado pelo momento e a aperceber-me disso em cada novo trabalho. O termo hiper-realismo deixa-me desconfortável porque nunca foi esse o meu objetivo nem continua a ser, mas o que é certo é que, quantos mais layers e pormenores uma cara tiver, mais se irá aproximar do real. Continuo a querer contrariar aquelas mentes que acham que usar stencil como técnica de pintura é apenas para conseguir pintar mais facilmente uma imagem e isso sim, deixa-me “hiper” desconfortável.

Para criar uma nova peça, pesquiso imagens na net, em diversos sítios e por norma tenho uma regra, num conjunto de caras, aquela que me chamar mais à atenção é a que guardo. Penso sempre que, se num movimento rápido de olhar aquela imagem pequena  me captou a atenção, certamente que irá resultar quando aplicada, ou num papel ou em parede, numa escala maior.

Uma cara sem expressão não tem interesse, tem que haver sempre alguma coisa que te atraia e te prenda o olhar por alguns segundos e, com as caras das pessoas mais velhas, principalmente com bastantes rugas isso é um forte ponto de partida e uma cara triste é mais intensa que um sorriso, por maior que seja. Esse foi um dos meus objetivos quando retomei o stencil, em 2008.

Começastes nesta arte por ser um acto rebeldia? Ou como forma de expressão? Pintas de dia ou de noite? Em que altura te sentes mais à vontade?

E:O inicio destas andanças urbanas foi com o graffiti, já há uns anos valentes e apesar de não estar a passar por uma fase muito boa, a nível pessoal, nunca foi um ato de rebeldia ou de querer ir contra isto e aquilo. Sempre foi como necessidade de me exprimir pelo meio que melhor conseguia, ou se preferirem, artisticamente.

Basicamente não tenho hábitos, no que respeita a pintar de dia ou de noite, ou porque estou mais ou menos inspirado, não. Quando são trabalhos pessoais, em casa, pinto quando me apetece, seja apenas 1h ou 8h seguidas. Varia bastante porque, quando tenho tempos certos para terminar uma pintura, se tiver que estar 20 horas seguidas no mesmo espaço a trabalhar, é sem problemas porque, para além de não conceber a ideia de deixar um trabalho inacabado, gosto bastante do que faço e o resultado final acaba por compensar o esforço.

Para além do pincel, já explorastes outros materiais? Quais? E porque não exploras mais as tintas em spray?

E: O spray para mim, até a nível profissional como cenógrafo, é a tinta de eleição por ser perfeita para quase todas as superfícies. Para o stencil já não o uso por diversos motivos e o que não gosto principalmente é pelo brilho que deixa, seja em que superfície for. É sem dúvida mais rápido de pintar mas não me permite obter alguns efeitos. Os pinceis tem sido os meus melhores amigos, apesar de há uns anos atrás os detestar fortemente. O uso e a prática permitem um melhor conforto e nunca se sabe quando é que volto ás latas de spray. A mudança faz parte do meu processo criativo e nisso não quero impor limites.

segunda, 31 dezembro 2012 20:44

A super van

A arte da Vanessa Teodoro é uma explosão de cor, é uma provocação ao olhar, é algo de refrescante, ousado e cheio de garra que não deixa ninguém indiferente. Talvez já tenha visto os seus trabalhos nas paredes da cidade Lisboa! Ela é uma jovem ilustradora que olha o mundo em seu redor e o transforma numa grande festa!

Sei que nascestes na África do sul, mas viveste lá durante algum tempo e se foi o caso em que cidade?

Vanessa Teodoro: Sim faço questão de lembrar as minhas origens, vivi até os 9 anos na Cidade do Cabo.

O teu país de origem influencia o teu trabalho, ou nem por isso?

VT: Posso dizer que sim, especialmente agora que sinto cada vez mais "longe" e com mais saudades. Usar referências e inspirar-me no continente africano é uma forma de o manter por perto.

O nome super van de onde surgiu?

VT: Por mais estranho que pareça, foi por causa do meu site. Precisava de um nome diferente, divertido e "vanessateodoro.com" parecia-me normal demais.

Quais são as tuas referencias artísticas e explica-me se alguns desses artistas influenciaram a escolha da tua carreira?

VT: A BD, os cartoons, os desenhos animados que via quando era miúda (e que ainda vejo). Gosto de misturar os mestres classicos com referências actuais.
Não sei se posso dizer que vou fui influenciada para seguir esta carreira, até porque adoro fazer muito mais coisas, e que de momento é a ilustração que ocupa mais do meu tempo.

segunda, 31 dezembro 2012 20:43

O mestre dos karakuris

Karakuri quer dizer em japonês bonecos mecânicos. Uma tradição com centenas de anos, que surge a partir das mãos pacientes do mestre Tamaya Shobe, que nada mais necessita do que uma corda para funcionar. Um legado artístico que prevalece inalterável, há já nove gerações da mesma família de artesãos. Uma arte que teve o seu início no século XVII e que permanece ainda muito viva na sociedade japonesa.

O karakuri surge em que contexto na cultura japonesa? Era uma arte exclusiva para imperadores e a nobreza?

Tamaya Shobe: Começou em 1600 d.C., com os bonecos a andarem automaticamente. Teve início no teatro tradicional japonês e só mais tarde para entretenimento. Os bonecos com mecanismos mais complexos eram muito mais caros e portanto apenas acessíveis aos imperadores, à nobreza, ou aos comerciantes muito ricos que tinham possibilidade de ter um “robô” em sua casa e como entretenimento nas salas de chá. Para o púbico em geral, eram bonecos mais básicos, feitos com fios para festivais em que os bonecos eram postos nos carros alegóricos.

Os mecanismos aparecem desde o princípio?

TS: Já existiam mecanismos mais simples, que foram evoluindo e adquirindo uma maior complexidade como a que se vê no arqueiro (na imagem).

Sendo um artesão da nona geração da mesma família, ainda consegue discípulos para continuar está tradição?

TS: Tenho dois a três discípulos a treinar esta tradição que não pertencem à família. Depois, tem mais três no seio da família, primos e sobrinhos. Mas, não quer dizer que seja um familiar. O importante é que seja o artesão mais competente para dar continuidade a esta arte. Se o filho, ou sobrinho não reunirem as capacidades adequadas para criar um karakuri, então a tradição é passada para o discípulo mais capaz na arte.

Há ainda muita procura destes bonecos mecânicos no Japão actual?

TS: Sim, há pessoas que os compram. Existem versões destes bonecos mais baratos para o público em geral.

segunda, 31 dezembro 2012 20:42

A provocadora

Rita Melo explora um universo artístico dualista. Alia o humor e a ironia aos seus quadros, pintando personagens que são de certa forma antagónicos. Criando um mundo em grandes dimensões, o seu. Onde tudo é permitido e nada é profano. Uma duplicidade permanente que permite jogar com a realidade. Pinturas ultra(passadas) que podem ser vistas na galeria Serpente, no próximo dia 5 de Novembro.

O teu trabalho é de certa forma irreverente. Tem sentido de humor, isto sem falar das grandes dimensões dos teus quadros.

Rita Melo: O humor e a ironia são dois conceitos que me importam explorar muito no meu trabalho. As telas grandes começaram ainda na fase académica, onde podia explorar os materiais. Encarava isso quase como uma performance, embora não possa dizer que seja isso. É um acto de criar espontaneamente, livremente e de extravasar principalmente em grandes formatos. O impacto cria-nos uma sensação de ser algo maior e de grande dimensão, mas por uma questão de dificuldade no transporte, comecei a trabalhar em formatos mais pequenos.

É difícil criar em grandes escalas? Recordo-me que chegastes a pintar grandes murais.

RM: Não é muito. A pintura sempre esteve muito presente na minha vida, porque o meu pai é pintor, a minha irmã também é pintora. Em termos de técnicas, pintar com grandes dimensões nunca foi muito difícil, se calhar por isso, por estar desde criança envolvida nesse meio.

Outra das áreas onde estás presente é no teatro. Fala-me um pouco do projecto menina de pedra.

RM: O meu trabalho foi como ilustradora de um livro. A menina de pedra é um bailado interactivo com direcção musical do Jorge Salgueiro, argumento do João Aguiar que foi produzido pelo foco musical. É um bailado para crianças em que a música está sempre presente e em paralelo existe um livro, que foi convidada a ilustrar. Os personagens, as figuras do livro e o figurino foram os mesmos que foram utilizados no bailado. Foi um projecto muito interessante, porque juntou vários artistas de diversas áreas, desde a dança, a literatura, a música e a ilustração, por isso gostei muito dessa participação.

Outra das vertentes que exploras é a fotografia. Onde é que esse aspecto se encaixa na tua vida artística?

RM: Eu tive formação nessa área em termos académicos. A fotografia é muito importante para o meu trabalho de pintura, porque todas as personagens que pinto são fotografias tiradas por mim. Ando sempre à procura de pessoas que me interessam. Depois tenho que ter uma relação pessoal com o indivíduo que é fotografado, porque preciso de expressão e isso requer intimidade. Tive que me adaptar e acaba por estar sempre presente na pintura. Depois também fiz alguns trabalhos de fotografia de cena, num projecto do Cast Palmela, que era uma rampa para ti, em que fotografei esse espectáculo.

segunda, 31 dezembro 2012 20:39

Da terra virás, esculpidas serás

Comunica através das suas mãos. Domina o barro. Esculpe olhares sonhadores, indiferentes, risos, sorrisos e tristeza. Expressões faciais que, transportam para o mundo a forma como interpretam o seu pequeno universo. É uma expressão artística discreta e ao mesmo tempo inesquecível que emociona o olhar. O interlocutor não fica indiferente. São as figuras de areia de Patrícia Sumares.

A tua obra para o lonarte recorda-me as figuras de Juan Muñoz, embora alguém referiu que eram figuras de areia, como é surgiu esse conceito para esta lona?

Patrícia Sumares: Surgiu de um trabalho que estou a desenvolver e que ainda não foi exposto, num formato quadrangular, igualmente idêntico ao desta obra, que preenchi com estas caras. O Guilherme viu-o e pediu-me para participar. A partir das dimensões da lona fiz esta instalação.

Tu apontas como uma das tuas áreas de eleição à escultura, trabalhar com o barro.

PS: Sou licenciada em escultura e trabalho muito a argila, que é o material mais clássico para qualquer escultor. Gosto dele, porque possibilita tudo o que quisermos fazer. Sinto-me perfeitamente à vontade. Quem conhece o meu trabalho, que já é algum, verifica que gosto de abordar a temática das figuras, das caras e das crianças.

É também uma abordagem muito clássica, a figura humana.

PS: Sim, isso é porque gosto muito das pessoas. As suas expressões. Aprecio os seus gestos.

Tiras fotografias desses rostos?

PS: Tiro algumas. Principalmente, gosto de guarda-los na minha memória. Gosto mais de observar do que falar e talvez quando crio estes trabalhos, estou a comunicar com outro material. Alias, a arte é uma forma de expressão. Outras das minhas paixões são as crianças. Gosto imenso de reproduzir, o que vai ao encontro do meu lado maternal. Nós, as mulheres, não podemos ter nove e dez filhos, a arte acaba por ser essa extensão. Faço modelação em barro, depois crio o molde o que me permite reproduzir a mesma figura e fazer instalações. Nas minhas obras, crio as minhas peças em vez de utilizar colagens, ou objectos. Faço tudo de raiz. Neste trabalho do lonarte, há cinco expressões diferentes, que modelei e adequei ao espaço.

segunda, 31 dezembro 2012 20:37

O arquitecto das ideias

Miguel Palma é um artista conceptual. Ele é possuidor de um léxico próprio que se reflecte na sua obra. Desenvolve projectos artísticos que nos obrigam a redimensionar a nossa visão sobre uma ideia. São instalações, que traduzem um raciocínio empírico sobre um objecto. São vídeos que nos contam uma história alternativa engendrada pelo artista. São esculturas que reconstroem uma imagem do quotidiano.

Um dos aspectos que está sempre na sua arte é a tecnologia, o lado mais industrial do mundo, porque escolheu essa vertente para as suas instalações e em tudo o que faz?

Miguel Palma: A parte visivelmente mais técnica deve-se ao facto de eu ter uma fascínio pela construção e por aquilo que é pensado e projectado.

Mas, é o que está por detrás dessa mesma construção, o raciocínio, ou é objecto em si, os materiais, que o atraem?

MP: Em primeiro lugar, começa antes da imagem. É um trabalho que tem início na instalação. É por esse caminho que inicio o desafio de construir máquinas, automóveis e objectos mais ou menos funcionais. A minha paixão por uma aprendizagem científica que acaba por não existir, porque é tudo muito empírico. Trabalho com pessoas que sabem sobre o assunto, e que me ajudam nesse sentido. O trabalho do lonarte é uma representação técnica muito estruturada de uma paisagem invertida. Está na vertical, não na horizontal, não se vê muito bem, porque era assim que era suposto apresenta-la.

Porque o porto?

MP: É o local do encontro, da comunicação, antes de ter um porto, as embarcações atracavam na baía. Havia botes que transportavam as pessoas e as mercadorias até terra. Foi necessário construir um porto para a entrada e saída de navios. É à partida uma primeira porta de comunicação.

Mas, porque escureceu uma parte? De noite não há movimento nos portos.

MP: Mesmo nos navios que param, há sempre alguém a dormir num barco. Não? (risos) Ali, o escuro, tem uma conotação do dia e da noite, o limpo e o sujo. Nesta obra decidi abordar a ideia abstracta de uma construção naval, da tradição portuária. Todo este trabalho, embora não pareça à primeira vista, eu diria que, se não o conhecesse, é de um passado e um presente. Tem esse lado de uma relação que a Madeira tem o mar.

segunda, 31 dezembro 2012 20:35

A mítica 111

“Eu e o meu marido, Manuel de Brito, fomos os fundadores da Galeria 111, que tem 47 anos e portanto começámos a expor em 1964. Íamos até Paris ao encontro dos artistas. O José Escada, o Eduardo Luís, o Gonçalo Duarte, o Júlio Pomar, a Lurdes de Castro, o António Dacosta e muitos mais. Portanto, ficamos amigos deles todos. Naquela altura não havia galerias, não havia museus, ou seja, não havia coisa nenhuma e nós dêmos inicio a esse trabalho que foi começar a expor esses artistas portugueses”. É a partir do testemunho de uma das fundadoras da galeria mais influente do nosso país, Maria Arlete Alves da Silva, que damos início a um périplo pela evolução de uma nova identidade artística em Portugal contada na primeira pessoa.

Como começou a aventura de ter uma galeria no final dos anos 60?

Maria Arlete Alves da Silva:  Meu marido era um jovem livreiro. Havia um crítico que se chamava Rui Mário Gonçalves que dedicou toda a sua vida a arte. Era muito eléctrico e por isso, acabou conhecendo toda uma geração de artistas da altura. Ele organizava exposições na associação da faculdade de ciências, e ficou muito amigo do meu marido. Na livraria onde o Rui trabalhava, ao lado da universidade de ciências, havia uma tertúlia onde apareciam personalidades como o Almada Negreiros, o Luís Dourdil, o Abel Manta , o Carlos Botelho, só para citar alguns, toda aquela geração de artistas mais velhos reuniam­-se ali para conversar. O sonho do meu marido foi sempre ter uma galeria, desde essa altura, embora não houvesse condições para isso. Quando a faculdade de letras e direito foram transferidas para o Campo Grande, o meu marido propôs ao dono da livraria que abrisse outra naquela zona para dar apoio literários aos jovens estudantes, aí sim ele já como sócio pretendia refazer a tertúlia que decorria no espaço anterior.

Em 1963, fui estudar para a faculdade de letras, mas como sempre foi uma rapariga independente comecei a trabalhar em part-time nessa livraria no Campo Grande. Nesse mesmo ano tem inicio uma história de amor muito grande, a nossa e decidimos embarcar nesta aventura que era a galeria e a colecção. Alugámos o espaço anexo, que era de uma sapataria que tinha falido, e nesse local fez-se uma pequena galeria e começou-se a expor artistas que eram completos desconhecidos. O primeiro foi o Joaquim Bravo, o segundo foi o Álvaro Lapa e o terceiro, o António Palolo, isto já em 1964.

É nessa fase que surge o nome de galeria 111?

MAAS: Não. Era ainda uma livraria chamada escolar editora, porque era a sucursal da sede e depois passou a ser a galeria da livraria. O Vespeira que era um artista fez um desenho com 111, era o número da porta, até o pôs numa serapilheira e passado pouco tempo toda a gente a conhecia por  galeria 111. Eram tempos muito paupérrimos. Não se vendia nada, nem sequer havia aquela ideia de que alguma vez se ia investir em arte. O nosso país era muito pobre e com as visitas da PIDE que havia a toda a hora, muito dinheiro era perdido nas apreensões. Por exemplo, lembro-me de ter recebido cem livros da paz de Aristófanes, que estava a ser estudado na faculdade de letras e porque tinha na capa uma pomba foram apreendidos. Era uma imagem considerada subversiva e levaram todas as cópias.

Porque uma pomba era considerada subversiva?

MAAS: Por causa de Picasso e as suas pombas, simbolizavam a paz. Agora imagine o rombo, foram os 100 livros. Recebíamos também, reproduções provenientes da Holanda, algumas do quadro Guernica raramente essas impressões chegavam as nossas mãos, a PIDE apreendia tudo nos correios. Era um horror o tempo do Salazarismo.

Depois do 25 de Abril houve melhorias?

MAAS: Temos que retroceder um pouco no tempo, quando o Salazar caí da cadeira é que começa tudo a mudar, com o Marcelo Caetano houve um abrandamento, a PIDE continuava a marcar presença, mas não era tão feroz e aí curiosamente, houve uma grande abertura económica. Apareceu um homem, que para nós foi fundamental, que era o Jorge Brito. Um banqueiro apaixonado por arte, era até um coleccionar compulsivo. Tinha a mesma idade que o meu marido, o mesmo sobrenome e houve desde o principio uma grande ligação. Ele gostava de coleccionar sobretudo Vieira da Silva e nós corremos o mundo todo para comprar quadros só para ele. Eram quadros caros e nós a partir das comissões que ganhámos passamos a ajudar artistas que estavam a passar muito mal, eram tempos difíceis. Começámos por comprar-lhes as obras e dar-lhes uma mensalidade para terem uma vida mais estável. Nesta altura, abriu-se o nosso mundo. Nós de uma pequena galeria no Campo Grande passámos a ir a Nova York e a Londres e nós profissionalizamos de outra maneira. Aproveitando esse bum, nós do 111 passámos para o número 113 que era uma galeria maior e inaugurámos esse espaço exactamente no dia que Salazar morreu.

segunda, 31 dezembro 2012 20:33

António, o transfigurador

É um dos nomes incontornáveis no contexto da poesia experimental e das artes performativas em Portugal. Foi também um dos fundadores do círculo de artes plásticas em Coimbra, cidade onde habita, mas a sua inquietação não se esvai na reflexão e discussão artística. Ele é um autor, um elemento criador de uma linguagem visual que reflecte novas consciências narrativas. Um performer das realidades que habitam o quotidiano, transcendendo a sua imagem identitária, emergindo como obras de arte.

O que pretendeu retratar nesta obra?

António Barros: Eu apresento dois momentos de uma exposição que realizei em Coimbra, que se denomina Obgestos. São parte integrante de um projecto que tenho desenvolvido nas artes performativas e essa mostra que esteve patente na Casa das Caldeiras foi parte de uma enunciação desses trabalhos. Trata-se de uma constelação de objectos-de-memória, ou seja parte integrante de diferentes artitudes; formulações cénicas para residência performativa; referentes das artes do comportamento e gestos operáticos. Foram os presentes atributos formais e semânticos gerados num arco temporal de cerca de trinta anos, entre 1979 e 2010.

Numa arte de situação, foram estes gestos afirmados individualmente, ou em programas com dinâmica grupal direccionados sobre um colégio de intervenientes.As peças assumem assim, na mostra,o zêlo pela condição mnésica. Museológica. O póstumo adquirido pelos adereçantes objectos transitivos que habitaram diferentes performatividades. São testemunhos colhidos no tempo real de acções vivênciadas e outras a pautizar projectos de propósito operáticos, formulando assim os referentes, uma análise dirigida aos elementos aqui eleitos: os obgestos. Estes, revelam-se então como elementos simbólicos dos múltiplos gestos experiênciados nos cerimoniais, Aqueles que na equação das performing arts se emanciparam em objectos/gestos vão ganhando uma condição identitária de obra. Os obgestos resultam numa constelação de elementos contributivos para o estudo de um percurso de afirmação comunicacional de razão e condição autoral , artoral.

Em que se inspirou?

AB: São objectos que são recolhidos na vida social do contexto onde as pessoas se movimentam, são revisitados e trabalhados para uma nova leitura e uma nova consciência semântica. O meu trabalho integra-se num contexto mais generalista do que podemos definir como a poesia experimental portuguesa, que explora suportes objectuais outros e a palavra. Eu exploro o texto em diversos suportes de utilização quotidiana, que as pessoas têm na sua dimensão situacionista. Numa analise do comportamento que o cidadão tem na sociedade e analisa as várias realidades comportamentais.

Essa análise é feita do ponto de vista do outro ou é apenas uma interpretação pessoal desses elementos?

AB: Um autor é um elemento criador de novas situações, de transfigurações que encontrámos para comunicar com o outro e para desenvolver nele novas consciências. Não é uma actividade colhida no outro, mas sim uma comunicação com o indivíduo. A minha obra, não se esgota com este território de exploração. Tem outros domínios.

Quais são esses domínios?

AB: As minhas actividades criativas e artísticas são territórios estritamente diferenciados. No contexto da actividade artística desenvolvo espaços de habitação, cénicos e de compromisso, onde quem habita nessa contextualidade explora novas consciências narrativas. Espaços esses, que são em algumas circunstâncias, vivenciados por habitantes do domínio do teatro, da dança e das artes performativas. Trabalho também, as artes do comportamento da escultura e instalação. O objecto como envolvente e como lugar de relação e de experiênciação. No domínio criativo trabalho em design de comunicação.

http://barrosantonio.wordpress.com/about/conversa-tania-saraiva-e-antonio-barros/

segunda, 31 dezembro 2012 20:32

Isabel, a clarividente

Isabel Santa Clara prefere desconstruir o universo que nos rodeia, em vez de mostrar o óbvio. Uma dinâmica que percorre as suas obras e que visa uma reflexão da parte do espectador, o seu pensamento mais crítico. Um conceito de arte que aborda junto dos seus alunos e uma inquietação que estende a todos os projectos artísticos em que participa.

O que procurou abordar nesta peça?

Isabel Santa Clara: Como se tratava para este espaço específico da Calheta apeteceu-me muito trabalhar na paisagem em volta, naquela que pode ser percorrida a partir daqui vê-se sempre. A lona também é um formato muito inabitual e por isso apeteceu-me evocar e utilizar essa proporção esguia para evocar a escada e no fundo os socalcos da nossa paisagem acidentada. Portanto, trabalhei a partir desta zona, a areia do calhau e que vai subindo pelas casas, pela montanha acima até ao céu. Não quis representar uma paisagem, mas sim fazer uma evocação desse percurso.

A cor teve essa preocupação de abordar a montanha e o mar?

ISC: Se reparar há uma escada ali desenhada em azul que é igual as que são feitas à mão, que ligam espaços adjuntos. Usei essa ideia, mas em azul também para desmaterializar, porque lhe retira a sua materialidade. As letras são uma espécie de carimbo que evoca os basaltos da ilha. A nossa rocha é muito cinzenta. O que queria abordar era o contraste entre a pedra e a beleza do mar. A impressão roubou um pouco a cor na lona, ficou mais esbatido.

Falando da sua obra, os lugares por onde deambula influenciam-na?

ISC: Nós estamos sempre marcados pelos lugares onde crescemos e por onde passamos. Eles ficam connosco, marcam a nossa memória. Penso que em algumas pinturas que fiz isso acaba por se reflectir. A fronteira entre a terra e o mar e outros que também tem a ver com a nossa paisagem.

Então o que a inspira?

ISC: Trabalho normalmente a nossa relação com o espaço. A maneira de percorre-los, de senti-los e as exposições em que participei procuram trabalhar justamente os espaços, colocar as peças num diálogo, na área da casa, que é uma ideia que procuro desenvolver. Os espaços interiores. É muito essa vertente de por onde passamos e como olhamos para as coisas.

segunda, 31 dezembro 2012 20:30

O intérprete da arte portuguesa

Luís Amim desenvolve um trabalho que incide sobre a desconstrução artística do azulejo. Ele equaciona a lógica numa manifestação de arte. Transcende a sua forma mais tradicional para se transformar num registo mais abstracto, mas não menos português na sua essência.

O que procurou abordar?

Luís Amim: Pegando no meu trabalho que venho desenvolvendo a mais de vinte anos, quis prestar uma homenagem as pessoas que conheci desde a infância, que me marcaram durante a vida e que teve um reflexo em termos de arte. É essa paz de espírito. Essa maneira de estar na vida. É sobre as pessoas onde vivi que foi na Fajã da Ovelha e Ponta do Pargo. Esta peça esta mais dirigida a essas pessoas e com que convivi.

Quer dizer que a ilha o influencia na sua obra?

LA: Sim, de certa forma. Em termos pessoais, humanos e como sou hoje. A simplicidade que não é o que parece, tudo tem a complexidade da vida. Essa tradução de simplicidade com que essas pessoas contribuíram. Daí a minha homenagem. E todo ciclo que envolve a vida no campo. A cultura que os envolve desde séculos, que aplicavam na altura. Desde a sementeira á colheita. Tudo era cíclico e fazia parte da vida. Isso marcou-me bastante e provoca-me um equilíbrio emocional. É algo mais transcendental dessa cultura, algo mais gótico, como era esta corrente artística da idade média. Como vitral que reflecte essa vida. O azul entre a montanha e o mar. Depois o amarelo que é sol, a energia e o preto que é um desenvolvimento da vida. É tudo muito simbólico.

Como artista a ilha influencia o restante da sua obra?

LA: Não sei, as pessoas podem ter essa opinião. Simplesmente, eu parto de uma cultura portuguesa. Desenvolvo o trabalho do azulejo. A ideia do conceito, como objecto, como tradicional. Penso na lógica que aquilo acarreta, aquelas linhas e o abstraccionismo. A partir daí com letras construo, desconstruo e volto a montar. Crio uma linguagem própria que tem muito a ver com a cultura portuguesa e as suas influências árabes. A minha pintura é muito centrada nesse ponto.

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